quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Única vestimenta

Há tempos que ela não cabia mais nas suas antigas roupas, as novas também não lhe eram confortáveis, achava estranha aquela sensação de não caber mais em nada, á vezes se sentia apertada, às vezes solta demais. E foi com essa sensação que ela nua se deixou cair na cama, fechou os olhos e pensou o quanto à nudez lhe caía bem.
Com olhos fechados, bem apertados começou a imaginar... Se imaginou nua saindo pela porta rumo à rua, nua, sua alma usando como única vestimenta o corpo que lhe foi dado, e nesse imaginar se deixou levar pra longe, longe dali daquelas quatro paredes com porta trancada. 
Logo estava andando pelas ruas, no começo rondada por olhares curiosos, mas continuou a andar, estava se sentindo leve, esses olhares não a incomodavam, só que não demorou pra começar a ouvir alguns rumores, e logo depois viu e ouviu muitas pessoas, a mal dizendo, mal dizendo sua falta de pudor em andar nua pelas ruas, pessoas indignadas com a falta de vergonha na cara que julgavam ela ter pra querer se mostrar daquele jeito.
Começou a ficar assustada, uma multidão agora a acompanhava, ela não entendia como eles não podiam compreender que agora ela estava livre e que eles também poderiam se sentir assim...
As ofensas só aumentavam, a perseguição agora era uma coisa doentia, era como se ela fosse à vergonha da humanidade, se sentiu acuada, o medo tomou conta de si, saiu correndo e correu muito, assim, nua, sentindo o vento entrar pelo seus poros e chegar muito mais rápido na sua alma...chegou a um lugar ermo que só ela conhecia, estava ali sozinha agora com a alma impregnada de vento. Ficou ali parada, ela com ela mesmo com um ela que até ela desconhecia.
Jamais tivera sentido aquela sensação de inteira que estava sentindo, jamais admirou a natureza como ela tão parte dela. Jamais... Sensação tão sublime se apoderara dela... Descobrira então que nem as roupas velhas e muito menos as novas eram a solução...e foi quando chegou a essa conclusão que foi despertada de supetão.
Alguém batia a porta de seu quarto para lembrá-la que já estava atrasada. Ela foi puxada brutalmente de onde estava para a “vida real”... Olhou a sua volta pegou a primeira roupa que viu, e saiu assim desconfortável pra si... Mas aceitável aos olhos do mundo... Parou na porta do quarto olhou para trás e mesmo desconfortável naquela roupa de viver sociedade, ela sorriu, sorriu porque mesmo que por poucos segundos se deixou ser ela e isso a encheu de...de...de alguma coisa, o que ao certo ela não sabia... Só sabia que era sentimento bom.

domingo, 1 de agosto de 2010

Quebra-cabeça

Ela estava há tempos naquele estado, no começou tudo era novo e até achavam graça das suas atitudes, das suas falas desconexas, das suas dores que não existiam, das suas lágrimas sem motivos, dos seus pedidos sem sentido, da sua raiva intensamente passageira.

O tempo foi passando e com ele o pouco de lucidez que lhe restava também, mas essa não lucidez era como combustível para que sua vontade de viver aumentasse. Muitas foram as vezes que a davam como quase morta, mas desconheciam a força que ela levava dentro daquele corpo miúdo e aparentemente frágil.

Das primeiras vezes que contrariando toda a lógica ela voltou de seu estado fúnebre todos davam graças, só que o tempo foi passando como areia que passa entre os dedos e junto com essa areia do tempo a paciência que todos tinham com ela também foi se esgotando.

E ela? Ela continuava, ela se recusava a virar só mais um grão de areia ao vento. Esgotada a paciência alheia ela que até então oscilava entre o mundo real e o mundo criado em sua cabeça, passou a ficar muito e muito mais tempo nesse mundo inventado ou reinventado, mundo esse onde ela ainda tinha mãe, às vezes tinha pai, ainda não tinha enterrado nenhum dos seus filhos, mundo onde ela ainda não tinha sofrido nem um terço das dores que a vida lhe reservava, ela gritava por esse mundo, como se nele ela se sentisse mais viva, mais ela.

Hora nesse mundo ela sentia medo do pulso firme de sua mãe, hora ela se apiedava das dores de seus filhos pequenos, hora ela xingava mulheres que sabe se lá porque ela taxava como prostitutas, hora ela se silenciava, e era nessas horas que ela mais incomodava a todos, era com seu silêncio que ela fazia as pessoas em sua volta pensar o que se passa na cabeça de uma pessoa que se encontra nessa situação, qual seria a parcela de culpa delas que estavam ali a sua volta e que gozavam de perfeita condições mentais e que riram da situação e que já não dispunham mais de paciência para com ela. Elas tinham culpa, ou a culpa era de alguma outra pessoa, ou ser,ou dela mesmo? Havia de fato alguém culpado... Difícil saber.

Mais difícil ainda ouvir os agora constantes choros dela, sim porque por vezes aquele choro sem aparente motivo era cheio de dor, de angústia, não uma dor que se resolveu com analgésico ou morfina, a não ser que inventaram um analgésico ou morfina pra dor na alma, se inventaram esqueceram de dizer pras pessoas que estavam ali perto dela, assim também como esqueceram de dizer pra essas pessoas porque isso estava acontecendo com elas, porque ela esta sendo obrigada a suportar tudo isso e porque eles estão sendo obrigados a suportar ela.

Talvez ela em meio ao turbilhão de pensamentos e sentimentos que se confundem dentro daquele corpo, dentro daquele franzino corpo também se pergunte isso, talvez essa pergunta não seja feita dessa maneira linear, mas quem sabe se conseguíssemos juntar cada peça do que ela fala, do que ela grita, do que ela chora, do que ela faz, no final não conseguiríamos montar um grande quebra cabeça e então lá descobriríamos escritos em letras maiúscula essa pergunta: PORQUE EU SOU OBRIGADA A SUPORTAR TUDO ISSO?

Solidão

A questão não é a solidão de não ter companhia, é a solidão de não estar comigo mesma, me buscar e não me achar. Isso é simplesmente desesperador, porque não tenho como contar com a ajuda de ninguém é uma busca individual e intransponível. Uma angustia louca de não se ter uma identidade na qual você se reconheça.


Que sorte tem as pessoas que são donas de si que não sentem a solidão da falta de si mesmas, das pessoas certas do que são e pra que aqui estão. Eu não sei, não sei por que estou aqui e isso me aflige, às vezes chega a me imobilizar, acho lindo as pessoas que sabem o que querem, quando querem e porque querem, as pessoas normais me fascinam.

Fico aqui fascinada pela normalidade alheia e abismada pela incerteza que me toma e principalmente sufocada pela dor de estar só de mim mesma.

Sinto falta de um eu que não sei se um dia fui, faço planos para um eu que um dia posso vir a ser. Às vezes quero e ate suplico para que as pessoas que estão a minha volta entendam essa busca louca, quem sabe se pelo menos entendida eu fosse mais fácil eu conseguisse me descobrir, mas elas não entendem, nem por isso são dignas de condenação, como elas me entenderiam se eu não.

domingo, 30 de maio de 2010

Senta do meu lado
Não diz nada
Eu entendo você calado
Cola no meu corpo

Esquece que estamos mortos
Me ensina a pulsar de novo
Pulsar de novo vermelho sangue
Que é cor de morte de amor
Que é cor de amor de morte
Não sei mais o que eu faço com essa dor que teima em doer mesmo sem saber porque...
As vezes saio correndo querendo fugir, mas depois de um tempo olho pra trás e dou de cara comigo, de novo eu, novo eu sempre a seguir, sempre a me perseguir com dor de continuar viva.

Olhos de ver vida

Sentia-se ofegante, andara muito para chegar ali, era como se aquele lugar o chamasse. A praça estava suja, mal cuidada, abandonada, além dele estavam ali só algumas pombas. Havia muito que ele não ia aquele lugar e com tristeza constatou que aquela praça que antes vivia cheia de crianças, com muitas árvores e muitos pássaros já não existia mais, a sua volta fora construída uma movimentada avenida, havia agora ali muita pressa e quase nenhuma vida.


Sentou-se em um dos únicos bancos que ainda resistira ao tempo e ao descaso e foi nessa hora que as lágrimas começaram a rolar freneticamente dos seus olhos, e conforme as lágrimas inundavam seus olhos, as lembranças inundavam todo seu ser.

Lembrou-se que foi ali (e talvez por isso aquele lugar o chamasse) que ele a viu pela primeira vez, ele estava  pensando o que seria a sua vida de lá pra frente, pois acabara de ser abandonado por sua primeira mulher, e estava só com seus três filhos, estava totalmente desacreditado no amor e no ser humano, e ela se aproximou com seu corpo miúdo, sua pele clara, seus cabelos negros e seus olhos de ver vida e sentou no mesmo banco que ele, e o destino se encarregou do resto, se encarregou de encarregá-la a fazer com que ele voltasse a acreditar no amor.

Ele enxugou as lágrimas, queria que elas estancassem, assim como queria que suas lembranças também estancassem naquele momento, não que os anos que se seguiram não tivessem sido felizes, pelo contrario, mas quanto mais pensava no quanto tinha sido feliz do lado dela, mas a dor no seu peito aumentava.

Ele sentiu vontade de gritar, gritar dor, dor que o consumia desde a véspera quando soube que ela tinha ido embora pra sempre, como poderia viver sem ela, ela que estivera ao seu lado nos últimos vinte anos de sua vida, ele pensou em culpar alguém, ia culpar Deus, mas desistiu, Deus era muito abstrato, não poderia sacudi-lo e gritar na cara dele que o culpado dela ter ido definitivamente embora era ele... Acabou por rir dessa idéia absurda, foi um riso dolorido, mas foi justo quando as lagrimas lavavam seu riso repleto de dor que ele sentiu no ar um cheiro que era muito familiar, era o cheiro dela, olhou para o lado, mas não era ali que ela estava, levantou e começou a procurá-la.

Seus olhos a acharam do outro lado daquela movimentada avenida e ele percebeu que ela o chamava, os olhos dela de ver vida brilhavam como nunca, ele esboçou um sorriso, fechou os seus olhos ainda úmidos, esqueceu aqueles carros que passavam por ali freneticamente e deixou que o vento o levasse até ela.

terça-feira, 11 de maio de 2010


Os suicídios cometidos em tardes chuvosas deveriam ser todos, todos eles perdoados. E independe o motivo pelos quais foram cometidos... O que deve ser levado em conta é que essas almas encharcadas de dor e de horror souberam escolher com maestria a hora de cometer o crime maior contra si mesmo.
Uma tarde chuvosa é uma tarde perfeita para os suicídios, a chuva essa manifestação essencial da natureza para nossa sobrevivência, quando cai à tarde, a tarde toda, toda à tarde até o cair da tarde torna-se insuportável, é como uma mão que no começo parece acolhedora, chega bem de mansinho e de leve vai embalando suas dores, seus mal amores, e vai te envolvendo de uma tal maneira e só depois de muita água já caída, é que essa mão leve solta as suas garras cumpridas e finas que estavam escondidas entre seus dedos, mas você nem percebe que essas garras estão a te rasgar, lentamente a te desfigurar.
Cada gota (e são muitas as gotas - finas, porém contínuas) contribui para te colocar numa espécie de transe, que te faz cada fez vez mais se aproximar dessas garras... E aí doida você sai por entre a chuva a se, rodar, rodar, rasgar e não quer mais parar.
O transe perde seu efeito você toda rasgada se vê estancar e sente chovendo dos seus olhos uma chuva que do céu jamais poderia chegar e é nessa hora que percebe que aquela mão só estava a te enganar e percebe também que é maior a chaga que esta agora a te dominar, e voltam em dobro suas dores, seus horrores e essa chuva que teima em não cessar...chove, chove, chove...chove a tarde toda sem parar e como não pode contra chuva resolve se entregar.
Agora não importa mais se ela vai parar, agora não importa mais quem ela vai molhar... Agora tudo tem menos importância, inclusive você não importa...
Vai e lembre-se que por mim deviam todos te perdoar.