domingo, 30 de janeiro de 2011

Vida em preto e branco

Ela desde cedo andava sozinha pelo mundo, nasceu na pia de uma gafieira qualquer, foi encontrada roxa quase que sem vida, mas sobreviveu. Não teve um peito de onde sugar o leite que a sustentasse o corpo, e não teve o amor que a sustentasse a alma. Criou-se em um lugar onde havia muitos outros como ela, todos se engalfinhavam para se mostrar quando uma alma caridosa resolvia passar por lá olhá-los como se fossem carne expostas em um açougue, mas como era de praxe ao chegar lá e observar por um tempo essas almas tão caridosas resolviam se tornar vegetarianas e não levavam nenhum deles, e a cada alma caridosa que partia a esperança deles morria um pouquinho, acho que a dela nem chegou a existir. Viveu naquele lugar até completar seus dezoito anos, então alguém virou para ela e disse podia ir, agora já podia seguir sua vida sozinha, ela se perguntou em pensamento se já não era isso que ela tinha feito até então. Saiu daquele lugar, foi trabalhar em um lugar que já a tinham encaminhado e morar numa pensão barata, dessas em que ratos e baratas são companhia constante, mas ela não ligava de ter a companhia desses bichos, afinal eles traziam vida para aquele quarto escuro e úmido onde ela passava as suas noites insossas.


Não se queixava dessa vida porque estava habituada a solidão, que nem sabia ser solidão. Pode se dizer que era mais uma infeliz que não se sabia infeliz e por isso a infelicidade lhe era indiferente, e também se quisesse se queixar não teria a quem.

Não tinha sonhos porque não aprendera a sonhar, ou porque sabia que nunca conseguiria realiza-los, sabia que seria sozinha pra toda a vida, mas ela sempre fora sozinha isso era o natural.

Um dia voltando do serviço, doida pra chegar “em casa” logo e ir ter com os ratinhos, ela se deparou com um rapaz, percebeu que ele a olha insistentemente, achou que estava louca e seguiu em frente, ele foi atrás dela e puxou conversa, disse que trabalhava em um comércio ali nos arredores da pensão e que sempre a via passar, ela não sabia o que responder, deu um leve sorriso, achava que era um sorriso porque a muito já tinha desaprendido a sorrir, mas esse sorriso foi um abrir de portas para que ela conhecesse uma vida que nunca antes podia imaginar que existisse.

Alguns poucos meses se passaram e ela era uma outra pessoa, ela antes tão quieta, agora queria gritar pro mundo que havia enfim conhecido o amor, que não era mais sozinha naquele mundo, se um dia a infelicidade mórbida em que vivia lhe era indiferente hoje com a felicidade era ao contrário, ela sabia que estava sendo feliz.

Sabia que quando aqueles olhos de menino em corpo de homem a olhava era como se o mundo inteiro gritasse para ela que ela existia. Ele a tratava como ninguém antes a tratara, eles andavam de mãos dadas pelas ruas, tomavam sorvete, sorriam como dois bobos quando estavam juntos, e ficavam juntos por muito tempo. O desapego não fazia mais parte da vida daquela pobre criatura, havia se entregado e se apegado a ele de corpo e alma.

Depois de alguns meses passados e desse intenso amor vivido ele chegou até ela em uma tarde de domingo lida e ensolarada, muito propicia pra dois amantes serem felizes e disse que precisavam conversar sobre algo muito importante. Ela feliz achou que tinha chegado o dia em que iriam dividir um quartinho e que agora as suas noites seriam em companhia dele e não dos ratos.

Engano dela, ele simplesmente disse que gostava muito dela, mas não poderiam mais continuar porque ele já tinha alguém antes de conhecê-la e esse alguém estava a espera de uma nova vida, ela se desesperou, mas foi vão, ele direto e frio, simplesmente a deixou ali postada no meio da rua, ela queria chorar, gritar, arrancar de qualquer maneira aquela dor que estava queimando em seu peito.

Se perguntava o por que, ela era tão feliz na sua infelicidade anterior, porque ele lhe a presenteou com a felicidade de ser feliz e agora a tomava assim. Aquela dor ela nunca tinha sentido e não sabia como,lidar com ela.
Depois de muito tempo ali parada resolveu ir praquele quartinho que era seu mundinho antes de conhecê-lo, no caminho pensava que agora que sabia que a vida podia ter cores, como poderia voltar àquela vida em preto e branco que sempre tivera antes de conhece-lo, mal disse o dia em que conheceu aquele rapaz, preferia nunca ter conhecido aquele tipo de sentimento, preferia a ignorância, foi com esses pensamento que abriu pela última vez a porta daquele quartinho e não saiu mais de lá com suas próprias pernas.

Seu corpo foi retirado depois de dias, num canto do quarto dois ratinhos que sempre estiveram com ela e ficaram ali velando seu corpo por dias, pois demoraram por sentir a sua falta, espiavam aquela retirada de maneira não habitual e lamentavam ter perdido uma companhia tão agradável.

Um comentário:

  1. Lembra-me uma canção do Ary Barroso, chamada "Na batucada da vida":
    http://letras.terra.com.br/carmen-miranda/687173/

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